Antropologia da Beleza | Luiz Carlos Lacerda

A vida e os costumes dos povos indígenas do território brasileiro foram, desde sempre, objeto do olhar curioso dos europeus, como os primeiros a descreverem a cultura tupinambá no século XVI: André Thevet, Jean de Léry e o alemão Hans Staden. Este último, prisioneiro dos índios e autor das primeiras gravuras que ilustraram, sob a luz da estética do Velho Mundo, o seu livro Viagem ao Brasil, relato inspirador do filme de Nelson Pereira dos Santos, Como era gostoso o meu francês.

No século XX, o cinegrafista Genil de Vasconcellos documentou a primeira abordagem dos xavantes, seguido pelas fotos já consideradas artísticas do repórter da revista O Cruzeiro, José Medeiros, e o registro sem intenção profissional realizado por Pierre Verger – que também abrangeram, os dois, o mundo das yabás do Candomblé da Bahia.

O trabalho fotográfico de Renato Soares constitui, nos dias de hoje, mais do que um simples documento da vida cotidiana das várias tribos que resistem à barbárie de sua extinção promovida pelo que se convencionou chamar de progresso, e extrapola a mera curiosidade sobre o que os modernistas rotularam de povos primitivos – logo autocriticado por Picasso, como fonte inspiradora da Arte Moderna.

A sensibilidade desse artista enquadra, ao mesmo tempo que reproduz, toda a humanidade e a beleza que converge para o seu olhar especialíssimo, sem a utilização de recursos que aviltem a autenticidade de suas cores, a espontaneidade dos gestos e especialmente a luz natural que habita o interior das ocas, banha os rituais , esparge sobre os rios o pôr de sol generoso e multicolorido – como as plumas dos animais das quais se constitui a arte peculiar e única desses povos.

O trabalho desse grande fotógrafo contemporâneo inaugura uma nova forma de pesquisa e de expressão artística: a antropologia da Beleza. E seu olhar não é o mesmo dos deslumbrados viajantes europeus, que observaram, curiosos, um mundo aparentemente extravagante. Mergulhado na vida desses seus semelhantes e irmãos, lambuza-se de confraternização e solidariedade, sem a estranheza de um intruso, privilegiando-os com sua paixão.

Luiz Carlos Lacerda, cineasta.